segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Resenha do livro "A Cidade dos Desgraçados"

Hugo Máximo

*Publicado no Boletim “O Balainho”


Neste livro, Hugo Máximo demonstra seu domínio sobre o romance de sus-pense com fortes componentes visuais o que nos faz refletir sobre as possibili-dades de apresentação cinematográfica, o que o transformaria num filme de terror .

A obra transpõe os limites da realidade e nos conduz totalmente a uma dimen-são surreal onde se trava a batalha entre o bem e o mal, entre a fragilidade humana e o poder das trevas.

A trama muito bem urdida mantém o sobressalto até o último capítulo e a lei-tura como que nos faz reféns ao lado dos personagens , solidarizando-nos com eles e sentindo os horrores que enfrentam.

Classificando-o como fábula, o autor nos incita à decodificação de um conteú-do polissêmico , portanto altamente metaforizado.

A Cidade dos Desgraçados- contém ingredientes insólitos e nos coloca frente a frente com nossos limites.

O tema traz à tona a questão da acomodação e do servilismo diante do poder maior e do medo ao mesmo tempo que demonstra a capacidade humana de superação do ceticismo e do medo.

E é esta superação a única forma de salvação. O suspense em que a trama mantém o leitor é digno dos mestres deste estilo.

Resenha do livro "A Vitória de Vitória "

Urda Alice Kluger
*Publicado no Boletim “O Balainho”


Segundo Ziraldo, cartunista e escritor, um dos autores de maior sucesso na área, escrever Literatura Infantil e Juvenil não é escrever infantilmente.Pelo contrário : “ escrever para crianças requer um esforço dilacerante, uma vez que é necessário reencontrar em si mesmo a criança com sua fé, sua confiança e uma ingênua capacidade de ver o lado lúdico de todas as coisas.

É com esta capacidade que a escritora Urda Alice Kluger, autora de vários romances históricos, livros de viagem, obras memorialistas e documentários, aventura- se pelo mundo da Literatura Infantil e Juvenil com o livro “A Vitória de Vitória”.
Neste trabalho, serve-se a autora deste rico recurso de expressão poética, a personificação ou animação, uma das chaves de sucesso no gênero infantil ,usado desde sempre nas obras que encantam a infância de várias gerações em todos os países.

vista ,às fábulas e histórias em que os animais falam, sentem e pensam como seres humanos.Neste maravilhoso mundo de encantamento, absolutamente tudo, pode “ser” alguém que se emociona,que sofre,que apresenta sentimentos profundos como a dor da perda de um ente querido,a dor da saudade; como também pode ser enganador, esperto e maquiavélico como o lobo mau que se faz de manso e inocente para capturar a ovelhinha que tranqüila bebe água da fonte, da fábula de Esopo, ou para enganar a menina que atravessa tranqüilamente o bosque como em “O Chapeuzinho Vermelho”.
datem a capacidade de ousar, atribuindo vida a uma colher que “orgulhava-se” por ser uma colher com um cabo caprichosamente esculpido com cachinhos de uva e que se “ruborizava” quando alguém elogiava sua beleza.
Mas, a colher que se chamava Vitória e que vivia dentro de um estojo forrado de veludo,passou também por várias dificuldades e sofrimentos , como ter sido trocada de donos várias vezes e ter sido afastada de seus amigos, os demais talheres , entre eles um especial, de nome Herbert , orgulhoso e ranzinza com a própria sorte.
Para falar do tema da perda e separação ,a autora faz com que o faqueiro , onde reside Vitória, além das muitas trocas de casas, se desintegre separando seus moradores durante uma das muitas enchentes que assolavam a bela cidade de Blumenau,personagem presente em quase todas as obras da autora.
Desta forma, sutilmente, estes temas vão trazendo o tema da contingência dos seres e situações , através de um elemento que adquire vida para contar uma trajetória comum para a humanidade .

Nos contos maravilhosos que nos foram narrados na infância, os personagens preferidos para a personificação foram os animais, seres irracionais, portanto, não seres inanimados; estes últimos foram menos explorados.Exemplo mais famoso são as cartas de baralho, que formam o universo de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carrol,cujo tema revela principalmente a subversão das regras e valores ,como também subversão da linguagem, ou brinquedos como “O Soldadinho de Chumbo de Hans Christian Andersen – que traz a consciência da precariedade da vida, entre outros.
Assim sendo, “A Vitória de Vitória” ,está entre o que chamamos de conto do fantástico-maravilhoso,ou seja,do mundo imaginário ou da fantasia. Utiliza além da personificação –ou animação de seres inanimados – o fator do estranhamento, que faz de uma colher , este objeto tão útil ,ser transformado em um “ser” que sente todas as dores e alegrias de um ser humano.

A “Vitória de Vitória” é uma história que contém todos os ingredientes mágicos que encantam crianças e adultos e ainda traz , nas entrelinhas, uma constante alquímica da autora , que é a transposição das angústias vividas por Blumenau nas várias enchentes que chegaram a ameaçar a existência desta bela cidade, bem como a inserção de realidades tais como :velhice morte e separação, reação e retorno permanente ao lado de um uma expectativa do bem, do melhor.

Assim mesmo , têm sido as vitórias de Blumenau, terra de Urda Alice Kluger.

Resenha do livro "Na Terra do Faz de Conta"

Cardozo. Flávio José. “O Tesouro da Serra do Bem-Bem” São Paulo. Ed.Saraiva, 2002

*Publicado no Boletim “O Balainho”


Neste livro para a infância, Flávio José Cardoso, autor reconhecido nas letras de Santa Catarina pelas inúmeras obras endereçadas com sucesso aos amantes do romance, da crônica , etc resolve dedicar aos mais jovens um espaço den-tro de sua produção ficcional.

Para isto, resgata o olhar infantil relegado a segundo plano, temporariamente, em seu imaginário e em companhia de Xandro , Leco e Lucinha viaja no es-paço do fantástico maravilhoso , ciceroneados pelo Bem-Bem , um bem-te-vi segregado do bando por ser diferente .Apesar disto,é ele que conduz os perso-nagens para as terras distantes da meninice ,lá pelas bandas da Serra do Rio do Rastro ,onde estão fincadas suas raízes.

De repente, enfeitiçado, provavelmente pelas bruxas da ilha , lá no seu refúgio de Santo Antônio de Lisboa , o autor é seqüestrado para o mundo mágico da infância onde o espaço e o tempo se curvam aos nossos desejos e transforma o cotidiano do refúgio , no reino encantado , do bem-te-vi Bem-Bem ,condutor da aventura.

E aqui, o tema da diferença, do abandono e das possibilidades nunca sonhadas compõe uma delicada história que envolve a alma infantil sempre aberta ao extraordinário e à inclusão do mundo fantástico, numa aventura partilhada , em que a liberdade flutua nas entrelinhas através dos elementos :um perso-nagem alado , espaço e tempo indeterminados ,transformações inesperadas, que compõem a estrutura imaginativa da narração.

Pela subversão da realidade o jardim do refúgio se transforma no universo fantástico onde as coisas são o que se quer que elas sejam.
Tempo e espaço não contam. Desaparece o confinamento da visão adulta e o ouvido é capaz de perceber o som diferente do Bem-Bem.

Conduzido pelas crianças e pelo pequeno bem-te-vi, o Vô Pedro embarca no carrinho de mão do jardineiro que é, neste nível, uma possante caminhonete XLL-1000 e todos juntos partem paras os caminhos da serra do Rio do Rastro, em busca de um tesouro que só o Bem-Bem sabe onde está. E o Bem-Bem, é na verdade o próprio autor, livre para voar às paragens da infância acompanhado dos netos, com os quais deseja partilhar sua meninice – o tesouro a ser encontrado.

No espaço do jardim cabe não só a fantasia como também todas as cidades, que vivem na memória do autor e que margeiam a estrada que levará ao alto da serra onde está o tesouro do Bem-Bem.

O tempo da trama é permeado do tempo da memória e o espaço do jardim é o espaço subvertido da aventura; a distância pode ser vencida sem sair de casa e num simples carrinho de mão esquecido no galpão.

A simbologia da literatura infantil está presente no personagem Bem-Bem,o condutor da aventura. Seres alados e seres humanos buscam o tesouro da li-berdade, da percepção dos universos que nos cercam, da valorização das dife-renças,da subversão das convenções e das possibilidades .

As ilustrações são de Evandro Luiz e como sugere a contra-capa: Se você de-seja saber que tesouro se esconde no alto da serra procure ler rapidinho este livro lembrando , se for adulto, que através da leitura poderá voltar à infor-malidade e à despreocupação da infância .

Se é criança,pode embarcar na XLL-1000 e boa viagem.